Esse foi um dos assuntos discutidos durante reunião do Caeft (Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação), da ACSP
A EC nº 123, que vai permitir uma reformulação profunda do sistema tributário, abriu caminho para a criação de um foro nacional que concentre os julgamentos relacionados aos novos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e, quem sabe no futuro, de uma Justiça Tributária especializada.
O foro nacional já está no radar do governo, que preparou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), discutida pela AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Fazenda, com a participação do Judiciário, Estados e municípios, que vem sendo chamada de minirreforma do Judiciário.
A intenção do governo é garantir uma consolidação mais rápida da jurisprudência envolvendo IBS e CBS e reduzir os conflitos nas decisões de diferentes instâncias sobre uma mesma cobrança.
O assunto foi amplamente debatido durante reunião do Caeft (Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que contou a participação de Leonardo Alvim, assessor tributário do gabinete do Advogado-Geral da União, e Renato Lopes Becho, desembargador federal no TRF 3ª Região (Tribunal Regional Federal), mestre, doutor e professor de Direito Tributário da PUC-SP.
Na visão da Alvim, a reforma tributária altera completamente a lógica da tributação, que passará a ser no destino. A ideia do governo, agora com a PEC, é evitar a necessidade tanto do poder público como das empresas de multiplicarem suas estruturas jurídicas para lidar com ações envolvendo tributos que serão recolhidos no local do consumo (destino), em vez de onde a empresa está sediada (origem), como acontece hoje.
“A reforma tributária em curso acaba com a guerra fiscal entre os Estados, mas altera questões processuais que precisam ser resolvidas. O conceito de destino deve provocar uma briga política e jurídica”, pontuou
Um caso hipotético: uma empresa de Curitiba deixa de recolher CBS e IBS sobre uma mercadoria que foi enviada para a cidade de São Paulo. A quem caberá executar a cobrança? A procuradoria do município, do Estado ou da União? Será preciso entrar com ação de execução fiscal no Brasil inteiro?
Vale lembrar que o IBS, fusão do ISS com o ICMS, passará a ser de competência de Estados e municípios, o que pode gerar dúvidas sobre a responsabilidade de execução.
Para complicar ainda mais, a implementação da reforma pode criar uma situação em que as procuradorias regionais terão que ter atuação nacional para cobrar seus devedores, o que geraria uma sobreposição, além da multiplicação de estruturas.
De acordo com Alvim, além da criação de um foro nacional para lidar com essas questões, a PEC prevê a instituição de uma nova ação judicial, a ACL (Ação Declaratória de Legalidade), de forma a permitir que os agentes tenham um instrumento para recorrer rapidamente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e uniformizar entendimentos sobre a aplicação dos tributos.
“Temos tempo para resolver essas questões processuais. O fato é que temos uma emenda constitucional aprovada e nunca tivemos a oportunidade de criar um foro nacional para assuntos tributários e, quem sabe, de um Tribunal Tributário especializado, que é o sonho de todo advogado tributarista”, ressaltou.
CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Na opinião de Alvim, a boa notícia é que a reforma tributária vai reduzir o contencioso tributário no Brasil de forma revolucionária. Mas não será, ressaltou o advogado, uma redução que todos esperavam, pois houve uma flexibilização das regras quando o texto passou pela votação no Congresso, com a criação de regimes específicos e favorecidos. “São exceções que prejudicam”, resumiu.
Em parte, o desembargador Renato Lopes Becho compartilha da mesma opinião. Para ele, haverá, sim, uma redução da litigiosidade, mas somente em relação aos impostos envolvidos na reforma, como PIS, Cofins e ICMS, os mais levados aos tribunais pelos contribuintes.
“Não vamos superar muito os limites porque as questões tributárias vão permanecer na Constituição Federal. Só a EC 123 tem o dobro do tamanho na Constituição americana”, comparou.
De acordo com Becho, o Brasil tem um dos maiores índices de litigiosidade do mundo, com uma média de 80 milhões de processos por ano, o que equivale a um processo para cada 2,7 habitantes. Na Índia, comparou, é um processo para cada 28,7 habitantes.
“Somos um recorde mundial muito ruim, pois temos uma máquina de litigiosidade imensa, caríssima e totalmente pública”, afirmou.
Para reduzir o índice de litigiosidade, Becho propõe a integração entre as instâncias administrativa e judicial, fazendo com que o Judiciário possa resgatar dados do processo administrativo.
“Precisamos trabalhar um modelo em que o processo administrativo seja encaminhado ao Poder Judiciário, que terá a chance de acessar todas as discussões, provas e evitar que um juiz leve de 3 a 7 anos para localizar um devedor que estava no processo administrativo”, explicou.
O excesso do número de faculdades de Direito e a falta de uma reforma do ensino do Direito Tributário, que é da 1930, são outros fatores que contribuem para a manutenção da litigiosidade no país, na visão do desembargador.